Nasci em Dom Pedrito, uma cidade pequena no extremo sul do Brasil. A região onde ela se encontra apresenta a maior taxa de câncer e suicídios do Brasil. As plantações de arroz ao redor da cidade são alagadas, e os agrotóxicos jogados na água envenenam o lençol freático. Toda a minha família morreu de câncer. Minha mãe morreu quando eu era ainda muito jovem, 8 anos. Meu pai viveu sozinho na mesma casa em que criou seus 3 filhos até a sua morte, 5 anos depois. Quando ele morreu, ninguém além dele habitava a grande casa velha em que fui criado. Eu e meus irmãos esvaziamos a casa de tudo que estava em condições de uso de que precisávamos, doamos o resto, vendemos algumas poucas coisas. Mesmo assim, era uma casa que abrigou durante mais de 40 anos uma família inteira, e portanto, havia ainda muitos objetos sem valor comercial ou utilitário, porém cheios de memórias. Sem saber o que fazer com esses objetos, fizemos o que sempre fizemos com o incômodo, o indesejado, encaixotamos tudo e escondemos no fundo de um galpão escuro, como que querendo encaixotar essas lembranças por não saber como lidar com elas. Esses objetos permaneceram lá, guardados no escuro pelos últimos 20 anos. Até que um vendaval destruiu o telhado do galpão, e precisamos voltar lá para lidar com essas caixas. Este trabalho é sobre ir em busca dessas memórias. Eu voltei, após tantos anos, para encontrar uma casa vazia. Para rever as fotos de família. Para assistir à demolição do velho galpão que as abrigava. Para visitar a árvore sob a qual meu cordão umbilical está enterrado. E para reencontrar as pessoas e lugares que foram importantes na minha formação e cuja memória estava se perdendo em mim junto com o esforço para esquecer a dor e o luto.
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