Carmen Fortes iniciou como artista por conta própria, reproduzindo obras de grandes mestres da pintura. Seu repertório inclui homenagens aos vitrais medievais, à perspectiva renascentista, às vanguardas européias, em especial o Fauvismo e o Cubismo, ao Nouveau Realism francês e à Pop Arte norte americana. Porém, é na Pintura de Gênero holandesa com suas naturezas mortas e cenas extraídas da banalidade doméstica que a artista percebeu a possibilidade de uma reinvenção no contemporâneo.
Ao  reunir, no mesmo espaço, vestígios de um ambiente vivido que embaralha passado e presente e revela o protagonismo de elementos triviais do cotidiano misturados à presença de uma natureza deslocada do seu habitat, seus quadros formam um conjunto caótico onde cada objeto tem seu espaço mas também se sobrepõe um ao outro, em um  jogo aleatório de formas que compõe a estrutura da composição pictórica, desenvolvida a partir das pincelas destacadas, que revelam a plasticidade das cores como determinante de uma simbologia sem enredos nem narrativas. Assim como nos Fauvistas, a arte de Carmen Fortes revela um impulso vital; a exemplo de Cezanne, rompe e distorce a perspectiva linear no intuito de revelar o objeto em planos paralelos; do Nouveau Realism extrai a idéia dos objetos trouvés, reunidos e justapostos no acaso e, nos rastros da Pop Art, isola seus objetos e os reposiciona em um contexto que os associa à outros objetos para  fins de pura contemplação. 
Não que o resultado seja mero fruto do exercício de olhar, é possível identificar um engajamento politico na intenção inconsciente da artista que chama atenção para o consumo exacerbado, o descarte aleatório de objetos, a obsolescência programada, sem falar na presença desconcertante dos objetos inanimados como testemunhas de uma vivência ausente. Diferente dos mestres holandeses que tanto a inspiram,  a artista abdica da estabilidade da composição para gerar um estranhamento intuitivo. No espaço hermético criado por Carmen Fortes a narrativa é substituída pela essência da imagem o que faz com que cada elemento percebido denuncie uma existência autônoma que não apenas representa: é.
Astrid Façanha

Instagram: @carmenfortesartes
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