O espaço geográfico é uma acumulação desigual de tempos onde convivem simultaneamente diferentes temporalidades.  
                                        Milton Santos
                                                                                 
Olhar para um território ocupado é um exercício intrincado de percepção de muitas camadas que revelam apenas superficialmente sua perspectiva histórica, invariavelmente marcada por embates entre o homem e a natureza e entre os homens e suas ideologias. Essas últimas encobrem hierarquias de poder, crenças e a imposição da força que transformam sobremaneira o espaço ocupado, dando-lhe distintas formas, organização de fluxos e múltiplos significados. 
Logo, todo território é como uma fotografia momentânea e fugaz que em seu suporte bidimensional inevitavelmente falha ao tentar apreender e representar, num átimo, esses atravessamentos desiguais de tempos, como afirma o geógrafo Milton Santos. 
Durante viagem a Israel, em 2018, a artista visual Helena Teixeira Rios visitou as cidades de Jerusalém, Tel Aviv, Acre, Haifa, Safed, Massada e Nazaré. Locais que remontam ao quarto milênio a.C. Nesse período, para citar um exemplo, Jerusalém foi destruída pelos efeitos de guerras pelo menos duas vezes, sitiada em 23 oportunidades, atacada em 52 momentos e capturada e recapturada 44 vezes.
Diante de tal perspectiva, Helena se viu diante de um problema que aflige qualquer fotógrafo que se aventura na difícil missão de traduzir em imagens a história de uma determinada localidade. Sendo Israel esse local, o problema se multiplica indefinidamente. Berço das três grande religiões monoteístas, cada esquina, cada prédio, monumento ou ruína pode ter múltiplos significados para judeus, muçulmanos ou cristãos. Território político e religioso cuja existência se dá em camadas simbólicas invisíveis, sempre pautadas por muita fé e disputa por primazias.
Como pode um fotógrafo descortinar em suas imagens aquilo que está oculto numa paisagem-história? Diante desse dilema, a artista de volta ao seu ateliê percebeu que as fotografias obtidas em Israel eram como a argila a ser modelada para então criar uma instância visual e narrativa que desse conta de suas percepções 
Por meio de distintas técnicas, as fotografias foram sendo transfiguradas até ganharem um novo dinamismo pelo emprego de camadas de tinta, ranhuras, sobreposições, aquarelas que auxiliaram a gerar uma pátina atemporal, rebaixamentos e ocultamentos de determinados referentes. O que outrora revelava-se em demasia, verteu-se em opacidade. O que fora evidente, tornou-se latente. O olhar indicial da fotografia de caráter documental foi mitigado pelas estratégias experimentais, resultando num território repleto de interditos, velaturas e dubiedades.
Para refletir acerca de um espaço geográfico e histórico repleto de pontos de vistas muitas vezes contraditórios e excludentes, Helena criou, de forma correlata, um sistema de representação híbrido. As fotografias com interferências rememoram as experimentações que os ex-pintores e neo-fotógrafos, do final do século XIX, realizavam com o intuito de criar obras únicas, num momento em que a reprodutibilidade da imagem tirava da fotografia o status de arte.  
Após 180 anos da invenção da fotografia e de muitos tabus que a linguagem precisou derrubar para ser incorporada definitivamente no circuito oficial de arte, atingimos um grau evolutivo da narrativa no qual a porosidade entre arte e documento, pesquisa e ensaio, conseguem conviver harmonicamente, no mesmo conjunto de imagens, sem necessariamente contrapor a objetividade com a subjetividade, a certeza com a dúvida. Ponto de vista complexo e não dogmático, com o qual Helena contribui ao filosofar sobre seu campo de interesse conciliando ao mesmo tempo a história e a poética, sem as quais não seria possível adentrar sensivelmente na aventura humana e seus embates sobre a terra. 
Eder Chiodetto e Fabiana Bruno
Instagram: @helenateixeirarios
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